Nos últimos meses, um fato curioso tem chamado a minha
atenção. Todas as noites, exatamente à meia-noite, 3 grandes urubus sobrevoam o
prédio que moro e pousam na antena. Ficam alí, parados como se estivessem
admirando as poucas luzes que ainda iluminam a cidade. Porém, alguns minutos
depois, eles batem as asas, levantam voo, fazem um pequeno círculo no ar e com
a velocidade de uma flecha aterrissam no telhado do prédio, sumindo totalmente do
meu campo de visão. Esse sumiço dura aproximadamente 30 minutos, e após esse
tempo, os 3 urubus voltam pra antena, coçam algumas partes do corpo com o bico
e ficam respousando sem se mexer até ouvirem os primeiros cantos das outras
aves avisando que um novo dia começou.
Eu sou um cara que conversa com todo mundo do prédio e toda
vez que chego tarde do trabalho, bato um papo com o porteiro da noite. Nunca
comentei sobre os urubus, também, não conseguiria, o meu porteiro adora contar
sobre as novidades e sempre comenta que mais um vizinho se mudou sem levar os
móveis. Quando questiono esse fato, ele responde com a maior naturalidade:
- O síndico disse que isso é uma prática muito normal entre
os inquilinos que não tem dinheiro para pagar o aluguel e condomínio, então,
como forma de pagamento, deixam os móveis e as roupas.
Eu sempre achei isso muito estranho, mas nem por isso fico
duvidando, afinal, tem louco pra tudo. Mas nos últimos meses fiquei com uma
pulga atrás da orelha. Quem em pleno século 21 paga o aluguel e condomínio de
forma tão ultrapassada?
Como a minha curiosidade fala mais alto que a razão, quis
saber sobre esse tipo de atitude que mais de 10 inquilinos já realizaram. E ao
anoitecer de um sábado, encontrei o síndico na passarela do prédio, um senhor
de 55 anos, 1,57 metros, magro, cabelos grisalhos enrolados, bigode bem aparado
e de poucas palavras. E sem me dar muita atenção, ele foi curto e grosso.
- Não tolero atraso nos pagamentos do aluguel e condomínio.
E sem deixar eu abrir a boca para tirar mais uma dúvida,
disse:
- Me dá licença que tenho muita coisa pra fazer.
Virou as costas e desceu as escadas que dá acesso ao
estacionamento.
Eu fiquei parado e pensativo, mas como também sou bem
ocupado, fui fazer as minhas coisas. Porém, fiquei refletindo sobre as poucas
palavras do síndico. Esse pensamento me tomou tanto tempo, que quando percebi
já era meia-noite.
Estava com fome, então, resolvi buscar algo pra comer na
padaria 24h que existe perto de casa e, ao andar pela passarela do prédio,
olhei para cima e vi os 3 urubus realizando o seu ritual. Imediatamente, criei
coragem e resolvi subir até o telhado do prédio, estava determinado em saber o
porque daqueles urubus ficarem toda noite sobrevoando o lugar que moro.
Como o prédio tem apenas 3 andares, subi rapidamente os 56
degraus até chegar num buraco estreito que fica no teto do terceiro andar. Para
a minha surpresa, essa pequena portinha que dá acesso ao telhado do prédio
estava aberta. E sem pensar duas vezes, subi numa grade que protege para
ninguém cair no vão que existe entre o terceiro e segundo andar e, com a força
dos meus braços me puxei para passar pela portinha. Quando finalmente passei
meu corpo pro outro lado, percebi que estava dentro de uma casa que não dá pra
andar em pé, essa casa é o lugar que fica a caixa d’água, e, diga-se de
passagem: é um lugar sujo, escuro e fedido. Olhei pro meu lado esquerdo e
percebi que existia uma porta, provalmente a porta que dá acesso ao telhado do
prédio. Fui em sua direção e a empurrei bem devagar. Com todo o cuidado, coloquei
a minha cabeça pra fora e percebi que realmente estava no telhado do prédio.
Olhei pra ver se não tinha ninguém por perto e sai. Fui caminhando no meio de
telhas e concretos, tentando chegar na antena que os urubus costumam passar a
noite. Até que, ao se aproximar do local da antena, vi a cena mais horripilante
da minha vida, meu estômago embrulhou e segurei o vômito. Os 3 urubus estavam
devorando pedaços de corpo humano. Fiquei paralisado com aquilo, não consegui
acreditar no que os meus olhos viam.
Rapidamente tirei o celular do bolso para ligar pra polícia,
mas não tinha sinal. Então, decidi descer e fazer isso dentro de casa. Meu
corpo tremia e o meu coração queria sair pela boca. Quando chego na porta da
casa da caixa d’água, escuto uma tosse vindo lá de dentro. Tentei me esconder
atrás de alguns entulhos e fiquei com os olhos bem abertos para saber quem iria
aparecer. E como você já deve imaginar, o síndico saiu carregando duas maletas
e foi em direção aos urubus. Eu estava com medo, mas ao mesmo tempo curioso
para saber o que ele iria fazer. E de longe, enxerguei o síndico tirando
pedaços de corpos de dentro da maleta e dando para os urubus.
Nesse momento somei os fatos e descobri uma coisa: os
inquilinos que atrasam o aluguel e condomínio, viram alimentos de urubu.
Obs: essa estória
foi baseada em fatos reais (calma, só a parte dos urubus na antena que é
verdade).